sexta-feira, 15 de junho de 2012

Bitransitivo

     As páginas no início deste livro estavam esquecidas. Ofuscadas na memória vazia de quem não compreende mais o sentido de fazer aquilo. Feito religião. Que aos poucos vai perdendo seus seguidores para a dura realidade do tempo. E assim eu me esqueci de como era. Cansado de ser sempre o contrário do requerimento. Um dia eu soltei o livro pela capa. Ao me deparar com esse verbo, que um dia fora tão nobre e hoje carrega um solo cuja alma infértil não consegue nem absorver a própria água que o rega. Como ler em uma porta de vidro: “empurre” e ela mesma só se abrir após ser puxada. Chega um momento em que o sentido toma faces polivalentes, em que seu próprio sistema, a invenção de novas formas é automático de acordo com o nosso nível de persistência. Eu estava farto. De lutar contra algo que mudava de forma cada vez mais, a chegar a um momento em que eu questionei sua existência. Pois assim eu me levantei, derrubei as paredes desse labirinto, e as ergui outra vez. Porque eu cheguei a me esquecer como havia parado ali. Porém eu sabia exatamente o que lá habitava. E resolvi remover esse verbo da minha história. Sem contexto, sem complemento, nem pronomes para disfarçá-lo. Pois eu sabia que o que eu amava não tinha nome. E o que não tinha nome estava morto.

domingo, 3 de junho de 2012

Do amor

(Inspirado em "Do Amor" - Tulipa Ruiz)


     Eu prendo o tempo e vou soltando-o devagar. Pensando sempre em não perder os pensamentos que me fazem ver os detalhes. Vou observando as luzes da cidade, querendo encontrar. O “X” deste mapa é onde seu coração está, enterrado sob a luz de um poste qualquer. Que vai esquentando-o em calor mínimo para não congelar. Todo o seu corpo em delírio querendo descobrir: O que eu faço aqui? – Toda minha visita é um disfarce para te distrair. Minto verdades querendo do mais puro ser. Encher ou esvaziar?
     Eu veto a tua mente e vou deixando os fatos soltos por ai. Só pra você não poder se confundir. Como uma torneira sem fechar. Pensamentos demais para vir. Buracos no bote querendo me afundar. Quantos deles eu ainda eu vou ter de tampar? – Eu sento no banco dos velhos no ônibus sentindo o calor com as mãos. Na ultima rota em que vamos zarpar. Ver coisas além, tomar da sabedoria. Mas sinto que não tenho idade para enxergar. Vem-me só a paz. De quem um dia estará ali.
     Eu roubo o teu carinho e vou devolvendo devagar. Aprendendo com a prática de arriscar. Lendo livros nunca lidos e em que posso aprender. Coisas e como te agradar. Uma forma de saber o que está a sentir. Sem me expor e sem me manchar. A dor é a palavra mais fraca das palavras que estão para agir. Não sei como consigo, mas estou sempre aqui. Olhando esses olhos de árvore que cresce sob o vento de outono intenso.
     Eu vejo as folhas secas dentro do seu olhar. Puxando em sugo toda a minha proteção. Um ponto fraco e cego. Onde sou fraco você fraco também será. Um dentro do outro não podendo sair. Pedaços que vamos ganhando do convívio. Metade de um corpo inteiro ser seu. E eu? - Vou me perguntando em qual corpo estão meus pedaços. E se um dia vou voltar a usar. Te vendo pintado de cores que eu sempre gostei de ter. Eu só não perdôo se um dia essas cores desbotar. Mas até lá. Eu vou retocando.
     Eu guardo do amor a melhor parte para você. Em um lugar que ninguém vai te ver. Quês casas são essas onde nós vamos morar? – Em que momento perceber que não queremos nada daquilo. E se vamos ficar perto ou longe; Se vamos pensar perto ou longe. Ninguém garante que um dia vou te reencontrar. O amor num baú para ninguém encostar. Mergulho do maior fundo sem se quer perder. Melhor seguro do que não com você.
     Eu prendo o seu amor e vou soltando-o devagar...