sexta-feira, 15 de junho de 2012
Bitransitivo
As páginas no início deste livro estavam
esquecidas. Ofuscadas na memória vazia de quem não compreende mais o sentido de
fazer aquilo. Feito religião. Que aos poucos vai perdendo seus seguidores para
a dura realidade do tempo. E assim eu me esqueci de como era. Cansado de ser
sempre o contrário do requerimento. Um dia eu soltei o livro pela capa. Ao me
deparar com esse verbo, que um dia fora tão nobre e hoje carrega um solo cuja
alma infértil não consegue nem absorver a própria água que o rega. Como ler em
uma porta de vidro: “empurre” e ela mesma só se abrir após ser puxada. Chega um
momento em que o sentido toma faces polivalentes, em que seu próprio sistema, a
invenção de novas formas é automático de acordo com o nosso nível de persistência.
Eu estava farto. De lutar contra algo que mudava de forma cada vez mais, a
chegar a um momento em que eu questionei sua existência. Pois assim eu me
levantei, derrubei as paredes desse labirinto, e as ergui outra vez. Porque eu
cheguei a me esquecer como havia parado ali. Porém eu sabia exatamente o que lá
habitava. E resolvi remover esse verbo da minha história. Sem contexto, sem
complemento, nem pronomes para disfarçá-lo. Pois eu sabia que o que eu amava não
tinha nome. E o que não tinha nome estava morto.
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