Transplante naquela época não era uma coisa muito conhecida, e nem muito feita. As pessoas ainda achavam o procedimento meio macabro, havia várias superstições, e as rejeições mal conhecidas pela sociedade médica colocava mais medo à situação. Porem aonde há mendigo, há esmola. Júlio estava na outra ponta da história; sendo assaltado nesse exato momento em que John é colocado à maca, após um vacilo do coração, dentro da ambulância.
Júlio reage, a dois assaltantes, um que estava revistando-o e o outro fazendo a “segurança” do assalto com uma 45mm mirada na sua testa. Júlio após meio movimento brusco, recebe um tiro a queima roupa, que o torna morto. Júlio era doador; um dos poucos naquela época. E ele agora também estava sendo carregado para o hospital, após o policial ter visto na sua carteira, o termo de doador, explicito.
John também não estava muito bem, ele estava descansando sobre sua cama, vagando pelo quarto com uma queimação infernal no seu peito, ele sabia que estava morrendo. Júlio, ou pelo menos o resto de Júlio, estava ao lado de Clara. Sua namorada à tanto tempo: tempo para se planejar um casamento falho, que morrerá também naquele dia.
Clara estava inconformada, chorando de remoço, desejando o diabo para quem fez aquilo com Júlio, para quem fez isso com ela. E agora levada para fora, sabia que Júlio perderia aquilo que fora dado a ela por intenção: o seu coração. No mesmo hospital, estava John a algumas salas ao lado, recebendo a noticia do doador aparecido. E um pouco não muito feliz com isso.
Um morto, o outro sedado. É chegado à hora do procedimento. Com agilidade, tudo corre perfeitamente bem, pelos médicos. Uma transferência rápida, de uma maca a outra. Sem mais discussão. E após várias horas, John acorda. E vê em sua sala embaçada, vários médicos com os olhos ansiosos refletidos pela luz do sol. Porem, vê mais um par, possuidor de uma roupa simples e diferente daqueles lá presentes.
Clara o olha com um olhar tristonho, lança para ele um sorriso vago, do que era felicidade por pelo menos algo de alguém que ama ainda estar vivo. John a olha com um olhar diferente, como um poder de olhar que não era seu. Clara se espanta com esse olhar. Poderia ser? Uma característica que sempre chamou atenção em Júlio, agora em outra forma, em outro corpo. Como pode uma coisas dessas acontecer?
Ela estava em cólera, e balançando a cabeça abanou aquela idéia para fora de sua cabeça. E John quis mais era perguntar seu nome, ele realmente via uma luz refletindo em Clara, a deixando clara. E ele podia até classificá-la: ele podia dizer o que mais gostava nela, e o que menos aprovava em suas roupas, no seu jeito. Ele podia fazer isso com uma experiência assustadora!
A experiência que fez eles juntos na recuperação, e depois de várias conversas nas salas do hospital, viram o quanto aquilo os atraíram. Um selo posto para John em seu peito, e o mesmo selo transferido de Júlio em John para Clara. E aquilo não precisava ser dito, eles sabiam sabiamente o que estava acontecendo.
Clara sabia que algo de Júlio continuava vivo, e John sabia que algo novo crescera dentro dele. Só não sabiam que era amor, só não sabiam que era a vontade louca de Júlio pulsando dentro de John, despertando tudo que ele ainda quer proteger e valorizar. Dentro da memória celular de seu único órgão vivo. Mais que um órgão: um amor, uma vida, um coração.