segunda-feira, 24 de maio de 2010

Diferente


     Nem se lembrava do dia em que havia colocado tudo para fora. Apesar do instinto de resguardar tudo o que via e sentia, ele prometera que disponibilizasse parte dos seus sentimentos com os outros. Não que isso trouxesse diferença alguma para seu dia-a-dia. Era só para ter a sensação de contribuição com o mundo, e com a humanidade.
     Gostava de reparar em formas pitorescas em que as pessoas submetiam seus cabelos. Como elas plastificavam suas formas, seus olhos com pequenos pedaços de vidro. Ele nunca se sentira belo, apesar da idade nova e de respectiva vaidade - comum entre os da sua idade – ele se manteve do jeito que o puseram no mundo. Seu cabelo grosso liso emaranhado, sua pele pálida de tantos desvios por sombras nas ruas, seus olhos fundos surrados.
     Olhos que nunca foram de importância. Sempre fechados durante algo que não lhe interessa-se, ele dormia durante a rota do ônibus; durante as aulas; durante o casamento da irmã mais velha; e até durante a morte dos parentescos próximos. Não que fosse desrespeito, era apenas seu modo de ver o mundo.
     O que as pessoas de seu convívio não percebiam, era que isso não era um atraso ou doença em sua vida. Ele sabia que vivia no mesmo tempo em que os demais viviam. Apenas vivia de uma maneira diferente, dessas mesmas. O fato de não se relacionar com nenhuma garota de seu bairro. O de não ter um objetivo em sua estrada de vida. O de não procurar um trabalho e começar a juntar dinheiro para a casa própria, não o fazia pior, ou melhor, que ninguém. Só o fazia diferente.
     Até que um dia seus pais o pressionaram. Encabulados com a situação de seu filho estagnado em uma rotina de lençóis e cobertores o puseram contra a parede. Exigindo uma providência dele, perguntando qual a área de emprego em que iria procurar como um ofício. Logo o garoto com o rosto amassado e remelado respondeu: trabalharia como servidor público.

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