Eu estava sonhando outra vez, e nele, havia um garoto sentado no canto de uma parede comendo chocolate timidamente. Eu estava prestes a acordar pelo primeiro impulso, senti meu corpo ser guinchado pela vontade de não adormecer outra vez, foi tudo muito estranho. Eu só queria levantar, para aproveitar, sei lá! Mas eu não conseguia, quando de repete o salto me veio com uma força em que eu poderia derrubar um time inteiro de qualquer jogo que usasse da força, uma necessidade.
Agora eu levantei! Tinha dado um salto na vertical com a coluna, como se um espírito estivesse dentro de mim. Eu estava sem meus movimentos básicos. Sim, eu tinha acabado de perder meu controle remoto. E eu já me via afivelar os chinelos de borracha nos pés. Eu acendia as luzes do meu quarto, peguei a chave e corri em disparada para a cozinha. Lá dei um giro de meia-lua, revirei meus olhos para cima, avistei o horário das sete e meia marcados no ponteiro.
Voltei para o quarto, agarrei minha mochila. Agora eu realmente não parecia eu mesmo, eu estava incrivelmente tímido e indecifrável. Algo estava me tomando à força. Nas quais o fluxo me fazia querer reagir. Cada minuto mais e mais. Abri minha mochila, segurei dela minha carteira, notei que havia dinheiro. Peguei uma nota de dez reais, e fui a passos largos para a cozinha novamente.
Eu estava domado pelo menino do sonho, ele era mau e só queria o chocolate que não havia conseguido morder no sonho, por intrometimento meu. Ele estava me assustando, e eu quase que o podia segurá-lo por dentro, eu só precisava de mais tempo. Agora eu o observava observar o jardim, estava chovendo e estava frio. O menino parecia ter medo da chuva, e ele se sentiu vazio novamente, ele sempre fora vazio.
Ele já não tinha nada por dentro, e eu impetuosamente removi seu chocolate como se ele nunca precisasse daquilo. Eu fui rigoroso, e sentia como só eu poderia sentir, a mágoa de ter feito algo tão ruim. Porem não tive dó, eu tinha que domá-lo, ele estava desobedecendo as regras da casa. E isso estava me deixando ridículo por dentro de mim mesmo.
Na primeira oportunidade que tive, eu o segurei pela gola de sua camiseta listrada. Ele se esgoelou de forçar para frente, uma tentativa evasiva infantil sobre mim. Porem não conseguiu. Eu pude me sentir novamente. Tomar as rédeas, o controle. Agora eu estava o segurando dentro de mim, pelos dois braços: uma mão em um braço e a outra no outro braço. Eu pude-me ver olhando para ele.
Ele estava totalmente com raiva, eu vi o seu vazio, e vi também sua fome. Eu nunca pensei que ele teria fome, não dentro de mim. Eu o encarei como se estivesse dando um sermão. Ele agora estava olhando para o chão, com lágrimas a formar no rosto. Eu o balancei para ele voltar à atenção para mim. Pude acompanhá-lo junto ao meu corpo para o meu quarto, eu estava de pé.
E vi-me pegando um prato de comida, com arroz, feijão, um bife, salada e até batata frita. E por dentro de mim, entreguei a janta para ele. Ele se abaixou no mesmo canto da parede, agora no meu quarto. Pegou o prato, cruzou as pernas e o vi comer furtivamente torto para dentro. Eu estava o encarando, até que ele comesse tudo. Quando assim feito, voltei para fora do corpo, eu estava segurando o meu dinheiro e a minha chave.
Estive pensando em quanto olhava para a arara avermelhada na nota, quem seria aquele garoto. Eu estava passando por momentos difíceis, e estava sentido o que aquele garoto sentia dentro de mim. Eu também sentia um buraco de fome no meu corpo. E o prato que eu o havia entregado, era aquilo que eu estava evitando todas às vezes durante a semana. O menino era o meu orgulho, e vi que eu finalmente o havia domado. Agora o prato, eu não sei o que era. O que as comidas nele representavam. Eu só sei que o satisfez, e isso me deixou mais seguro. “Ele estava com fome...”
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