quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Inspiração


      Ela adorava acordar com seu marido roncando, isso tornava ela tão bem... Tão viva! Ela quase podia dançar de manha, quando seu sonho desfalecido não passara de uma noite com um radio tocando uma orquestra sinfônica muito chiada do seu lado. Ela parecia tão feliz no trabalho: “Nossa! O que aconteceu com você Marisa!? Parece que caiu uma bigorna na sua cabeça e você ainda não se recuperou?!” E ela respondia naquele sorriso mais amarelo do que tampa de privada: “Eu estou ótima! É uma nova dieta que eu to fazendo... inclui esforços físicos, resistência, e muita paciência com pessoas intrometidas! Quase uma religião...”
      Marisa trabalhava na faculdade de música da sua cidade, uma das mais citadas do estado, ela era regente, professora e compositora. Estava preste a fechar um projeto que fora interrompido por estafa. Marisa nunca fora de ser muito controlada, não tomava remédio por se sentir jovem de mais para isso. Já pensou em dormir na sala, em isolar acusticamente o quarto, em morar no visinho que estava alugando o apartamento. Estava ficando fina e delicada a situação de Marisa e Pedro, seu jovem noivo – jovem pois haviam só 3 anos de casamento.
      Pedro era administrador e tinha alguns probleminhas no nariz que realmente não era do interesse de Marisa. Ela só queria dormir o sonho dos anjos, mas toda vez que pousava sua cabeça no travesseiro parecia uma construção a poucos centímetros dela, uma banda de musica africana, uma daquelas de só percussão. Marisa já havia comprado pelos programas da televisão, muitos artigos e quinquilharias para abafar os ruídos do amado ao lado, durante o período noturno. Marisa já havia desistido.
      Seu projeto de criação musical estava um fracasso, Marisa não tinha inspiração e sua cabeça latejava toda vez em que pensava em compor. Os graves do violoncelo pareciam cobras najas envenenadas mordendo seu pescoço, a envenenando a cada deslizar nas cordas. Marisa precisava de ajuda, e não sabia a quem aderir, quando o seu superior, amigo e conselheiro a alertou: “Marisa, precisamos terminar o projeto! O tempo de inscrição esta terminando e você não vai concluí-lo!” Mas Marisa estava um caco e só respondia: “Esta tudo sobre controle Eduardo, estou quase com todos os papeis e partituras prontas... Só que...” Então Marisa desabava todos os seus problemas para seu superior Eduardo.
      Até que Eduardo com dó e meio sem idéias a aconselhou a compor durante as noites em que seu marido roncava. Marisa estranhou a idéia e quis saber qual era o nexo disso. Eduardo então disse, para fazer tal composição em nivelamento de tom e ritmo semelhante as baforadas do marido. Talvez viesse alguma idéia, alguma obra ate bonita vinda de tal maneira natural das coisas... uma inspiração! Marisa na noite seguinte resolveu aderir.
      Ela começou a revirar partituras, marcar os ritmos e escrever os altos e baixos de cada solfejo de Pedro, como se fosse o apogeu de cada musica, cada respirar era como uma calmaria na musica de Marisa. Até que passar de uma semana de coleta de informações “roncais” ela entregou o trabalho para Eduardo. Que juntos começaram a adaptar a obra, e organizá-la para a apresentação.
      No dia do festival em que Marisa apresentaria seu projeto, ela estava como sempre atordoada e casada, porem havia na platéia o apoio do marido e no camarim de Eduardo sempre eufórico. Ela assim tocou na sua vez, fez jus o que tinha composto e depois da aplicação de toda a obra ela esperava agonizada pelo manifesto da platéia. Mal havia percebido tamanha emoção que havia arrancado da platéia, estavam todos pasmos com tanto talento, tanta astucia, tanto dispor sobre o violoncelo.
      Assim no final do festival, uma mulher que havia presenciado as músicas pela platéia foi falar com Marisa de tão eufórica e emocionada ela estivera aquela noite. Se aproximou de Marisa e disse: “Esplendido!!! Perfeito, tamanha destreza, leveza e fúria a sua música parecia! Marisa querida, de onde tirou tamanha inspiração para tocar algo tão fabuloso?” Ela ríspida e direta, morrendo de sono, e achando a situação engraçada respondeu: “Se você tivesse tamanha inspiração como tenho, aposto que nem dormiria direito!” Então afobada e feliz sua ouvinte a disse: “Nossa como eu queria ter um dom desse, você bem que podia me emprestá-lo?!” Marisa pegou um pedaço de papel e uma caneta e respondeu: “Claro! Vá para a Rua Hutinhopolis, numero 87 apartamento 201, que empresto sem tempo de devolução!” E Marisa saiu sem deixar sua ouvinte entender nada e foi tentar dormir mais uma noite.

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