domingo, 11 de outubro de 2009

O despertar de Estele


        Estele era uma jovem determinada, apesar de não ter muitos objetivos, o que tornava sua vida simples e sem grandes saltos. O maior ponto fraco na vida de Estele era sua rotina, inquebrável! Ela não conseguia fazer nada diferente, tudo que colocava estava sempre no mesmo lugar, na mesma posição. Tinha vez que pensava estar tendo um déjà vu quando um dia pós a mesa do café perfeitamente igual ao dia anterior. E sempre pensava que tudo o que repetira tinha séculos de ter tido acontecido. E era na verdade sempre o ocorrido do dia anterior.
        Morava em um apartamento, o que deixava as coisas mais rotineiras. E ainda era super-apertado, tendo todos os poucos moveis muito juntos, o que tornava os movimentos mais rotineiros ainda. Sempre ela levantava, colocava o café para ferver, juntava o lixo, tinha coragem de colocá-lo lá fora com aquele seu embaraçado cabelo longo matinal, lavava o rosto, penteava os cabelos, passava o café, pegava o jornal, tomava o café, tomava banho, e ia direto pro trabalho.
        Até quando saia de casa, Estele estacionava na mesma vaga do seu condomínio. Os vizinhos já haviam acostumado com a cor do seu carro. Ela sempre entrava no carro pelo acompanhante, pois a porta do seu fusca bonina não abria do lado direito por estar bloqueada pela arvore que ficava ao lado de sua vaga. E ela ligava o carro, sempre dês-engrenado com o pé na embreagem. Reclamava da arvore com o porteiro, seguido de um bom dia, e seguia para o trabalho.
        Estele era jornalista, era investigadora criminal da redação, o que tornava a rotina e os cafés mais fortes ainda. Ela estava sempre muito ocupada, falava sempre as mesmas coisas com seus colegas, e seus colegas sempre comentavam nulamente com ela suas férias adiadas, e ela sempre respondia a mesma coisa: “Estou muito jovem para tirar férias”, e eles sempre retrucavam: “Não precisa ser velha para se tirar férias”. E como sua língua não agüentava ela finalizava: “Mas precisa ser velha para ter juntado todo o dinheiro, e tirar férias descentes no Egito.”, e todo mundo pensava sem responder: “Egito?!”
        Ela realmente não era muito bem dotada de criatividade e desejos comuns. Mas uma vez Estele recebeu um conselho do seu chefe na redação que fora praticamente uma ordem: “Estele se você não quer tirar férias, tudo bem. Mas eu exijo que faça algo diferente, algo como um hobby, para que você saia dessa rotina.”. E Estele perguntava: “Hobby está no meu contrato, Sr?”, e seu chefe vermelho retrucava: “A partir de hoje está!”.
        Assim Estele teve de ficar em casa até encontrar o maldito Hobby: “Meu Deus aonde deve estar esse Hobby maldito?”. Ela rondara o apartamento todo, o que não era muito difícil, revirava livros de estudos da faculdade, tomava mais café ainda, até um livro de receitas tentou arriscar, mais ainda não era um Hobby. Até que havia cansado, ela agora estava na sala, com sua única televisão, que não gostava de deixar no quarto para não interromper o sono das noites que durante sua rotina noturna eram sempre mal dormidas.
        Jogada no sofá, vestida com o pijama do Mickey Mouse, ela movia só os olhos em torno da sala para encontrar o maldito Hobby que agora era considerado o tédio para suas tardes. Até que com a cabeça virada a ponto de ter um torcicolo, e com os olhos quase cerrando com o sono que vinha, Estele cruzou os olhos sobre aquele móvel rústico, que havia herdado da mãe e que ela usava como criado mudo, onde sempre pusera as chaves, a câmera, o gravador e o celular.
        Era um piano de armário, lindo todo trabalhado e esculpido a mão, suas teclas estavam amareladas, e o tecido que forrava as teclas para proteger já estava branco de tanta poeira. Estele se lembrou do seu desejo de tocar as composições de Bach no piano, quando sua mãe apreendera com seu pai, quando Estele ainda era criança. Ela associou o piano com um amigo de trabalho, que tocava muito bem, e levava a musica como um Hobby. Estele havia encontrado o Hobby.
        No dia seguinte Estele correu para a redação logo de manha para encontrar esse seu colega, seu nome era Pablo e era muito bem conhecido pelos colegas no trabalho. Pablo era um dos amigos de Estele que a lembrava de suas férias empurrada, e que não entendia como alguém tão jovem podia ser tão “quadrado”. Logo que Estele o convidou para ajudá-la a criar um Hobby pelo piano, Pablo aceitou. Eles combinaram de estudar musica juntos a noite nas terças e quintas da semana, logo depois do expediente.
        Estele estava muito animada e arrastou Pablo ate a sala do chefe, que era o editor da redação. E interrompendo a reunião de publicação da tarde, Estele disse logo que entrou, após ter atropelado a secretaria do editor: “Achei um Hobby Sr. William!”.
       William, o pensador: carinhosamente chamado pelos jornalista subordinados a ele, pois ele sempre pensava demais antes de publicar as noticias, o que deixava seus colegas frustrados e nervosos; deu um pulo e um grito subitamente suspeito: “Estele! Nossa, que susto! O que seria seu Hobby?” ela respondera “Aulas de piano!”. William fitou Pablo de uma forma muito intima, e parabenizou Estele por ter conseguido um Hobby que a daria êxito, ela só não sabia o quê.
       Logo Estele começou, Pablo teve que afinar o piano, teve alguns problemas de manuseio más logo já estavam aprendendo as notas na escala do meio. Estele nunca tivera dificuldade para apreender, sempre muito aplicada e rotineira, pegava fácil com repetição as lições da apostila que Pablo preparara com carinho para sua companheira. Pablo com o tempo fora percebendo os vícios de Estele, e gostando disso nela, a convidava certos finais de semana para sair na tentativa de quebrar esse ciclo de Estele. Mas nem sempre dava certo.
       Até que os dois se aproximaram de uma maneira muito simétrica, já estavam trocando segredos, duvidas, estratos bancários, óculos de leitura e ate o controle remoto da televisão que um sempre carregava sem querer para a casa do outro. Tornaram-se uma coisa alem de qualquer definição, tudo era mais alegre e descontraído. Tudo era muito mais desapegado, até que sempre Pablo a fitava de um jeito só dele, um jeito jornalístico e psicólogo que a queimava por dentro, e ela não sabia o que era, só não se sentia mal por isso.
       Uma noite, no relaxamento dos dois, Estele estava sentada colada em Pablo, no mini-banco do piano de sua mãe. A janela estava aberta e era noite de quinta-feira, o vento frio batia dentro da sala onde das duas luzes amarelas uma havia queimado, o que deixava a partitura bem difícil de se ler, e o hálito dos dois sobre ela bem mais próximo. Estele estava palpitando de sono, e Pablo já vendo isso palpitava de uma mistura de dó e sentimento.
       Quando ela mal conseguia frisar os dedos nas teclas, e já suspirava de sono e frio, Pablo segurou sua mão sobre as teclas de um jeito delicado e a olhou nos olhos. Suas blusas de moletom já paralelas braço a braço, esquentaram esse olhar entre os dois que fora de duvida e decisão. Com a outra mão Pablo tirava seus óculos quando um vento suave e indecifrável bateu nos cabelos de Estele, que lavados no mesmo dia, fez-se de seu cheiro uma provocação para Pablo o tornando quase vulnerável a um desmaio, ele não sabia o que sentia.
       Esperavam um, dois minutos em olhos cruzados. Um desafio para os dois jovens que mal sabiam a sensação que estavam a ser submetidos. Eles estavam já com calor e com os estômagos contraídos, quando a pouca luz fez um aproximar do outro para realmente os olhos de ambos refletirem o que eles queriam saber. Estele sempre em sua rotina, adormecia seu corpo perto de Pablo, quando seu coração já estava dormindo desde muito tempo, por não encontrar ninguém. Pablo sempre tímido, estava sempre a um ponto de tudo para um ponto de nada, e nunca conseguia entender essas suas reações de quem ele confiava e tinha-o por perto.
       Dez horas da noite, Estele já estava desabando sobre o peito de Pablo como se estivesse recém dopada por algum calmante de seringa, quando Pablo ao ver o dispor de Estele, a segurou firmemente para que ela realmente não desabasse sobre o tapete. Quando ela já estava com o corpo firme mas com a cabeça quase batendo na partitura sobre o piano, Pablo tentou segura-la com o seu rosto mas o dela estava reto ao dele. Estele e Pablo inocentemente se beijaram.
       Estele sentiu aquele pedaço de pele labial sobre os seus lábios, como frutas recém colhidas nos jardins mais úmidos a Terra. Seu gosto não era de frutas, pois esses mesmos lábios haviam tomado o seu café, e isso a alertou rapidamente a comparação por saber tanto como era o gosto do seu café. Não eram largos mas tinham a simetria perfeita para asfixiá-la dentre três tentativas de respiração não concluídas, que a fez perceber que aquele incidente era intencional e ela não poderia mais nem mudar o curso da historia, nem tentar evitá-lo. Vendo que não poderia nem fugir, e nem queria despedir dessa oportunidade, Estele abriu os lábios convidando Pablo para uma pausa intensa deixando a passagem aberta de seus sentimentos. Estele então, havia despertado.

3 comentários:

  1. ér.. é grande ne?
    hahahaha brincadeira.
    é evidente retalhos da sua vivência nos seus contos e crônicas, tássio. mesmo que você se mantenha impessoal ou não seja um personagem, tem sempre um pouquinho seu e das pessoas do seu convívio nas suas historias.
    acho muito legal isso e adoro ficar identificando essas coisas. *-*

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  2. Com certeza dá pra perceber seus gostos nos contos e isso torna mais divertido , porque a gente te descobre mais em cada texto. Talvez haja pouco pra eu te descobrir, mas sempre há um novo que me surpreende. :) É bom isso.

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